“A habilidade de fazer uma história corre o risco de se tornar uma arte perdida.” Geraldine P. Schechter1

Sendo neto do Prof. Dr. Irany Novah Moraes, e terceira geração de cirurgião vascular na família, considero-me herdeiro intelectual de seus ensinamentos. Cresci ouvindo histórias dos grandes cirurgiões, da medicina e da especialidade. Aprendi, desde os primórdios a importância da propedêutica na medicina. A arte imbuída na ciência. Deslumbrei-me com o avanço tecnológico na especialidade, mergulhei nas novas tecnologias sem esquecer a origem. Tendo essa visão da especialidade, percebi que a evolução tecnológica trouxe benefícios inegáveis, mas distanciou a arte da ciência. Obviamente a metodização e minimização da interferência subjetiva da formação de cada um pode padronizar e melhorar os resultados globais, mas, a medicina não é ciência exata, a inter-relação pessoal do paciente e do médico assistente não pode ser menosprezada. Aumentaram os casos de doenças tratadas seguindo diretrizes engessadas que não consideram o paciente holisticamente. A própria sociedade pede por médicos mais “humanos”, como se a medicina não fosse inerentemente humana. Esse distanciamento da ciência e da arte impede o alcance da excelência. “Cada caso é um caso” e deve ser avaliado como tal, mas cada vez mais tenta-se encaixar o paciente na diretriz, ao invés de encaixar a diretriz na necessidade do paciente. As diretrizes têm seus valores, não nego. Tanto do ponto de vista administrativo, pois auxilia na previsibilidade, quanto na própria medicina, pois dissemina boas práticas técnicas. Não resolve tudo, mas diminui a variabilidade entre serviços, permanecendo apenas a variabilidade entre os pacientes. Doenças latentes assintomáticas hoje são tratadas para fins de resultado técnico imageológico excelente, ignoram as necessidades reais e anseios do próprio paciente. A não correlação sintomática, por falha na propedêutica também tem se tornado evidente. Esquecendo-se, por exemplo, que a existência de um corpo estranho, como um stent, é uma outra doença, iatrogênica, e muitas vezes pior do que a doença original. Complicações tardias não computadas em trabalhos científicos que avaliam curto e médio prazo estão surgindo com frequência assustadora. Pois o paciente, antes assintomático, tratado de algo que não o afligia, pode apresentar complicações tardias muito mais graves que a própria evolução da doença inicial. Tratou-se a angústia desencadeada por um exame de imagem, mas não o paciente. Existe até mesmo um termo para definir isso: VOMIT, Victim Of Medical Image Technology. Situação antes inexistente, completamente artificial, onde o paciente passa a carregar um problema decorrente de alguma conduta tomada baseada em algum exame médico. A dissociação entre a propedêutica clínica e a propedêutica armada é a causa primordial dessa problemática atual, agravado pela melhora da tecnologia, que evidência precocemente com maior definição e mais precisão, alterações que possam a ser chamadas de “problemas” mais cedo…, mas seriam realmente problemas? Este livro visa trazer a metodização para a arte do diagnóstico, minimizando os aspectos subjetivos, e, assim, diminuindo a probabilidade de causar malefícios. Traz à tona a necessidade primordial do raciocínio clínico perante várias fontes de informação, sendo este sempre soberano a qualquer informação isolada, como a de um exame subsidiário.

Alexandre e Irany

1.        Schechter GP, Blank LL, Godwin HA, et al. Refocusing on history-taking skills during Internal Medicine Training. Am J Med 1996; 101: 210–216.

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